Sobre a exposição
A exposição fotográfica “De pé no poço e areia no olhar” é composta por 31 obras e traz o olhar apurado e sensível do cineasta e artista visual Wertem Nunes para a região do Jalapão. Explorando novos olhares para a paisagem já tão reconhecida por suas riquezas naturais atraente ao turismo nacional e internacional. Wertem registrou suas percepções enquanto executava uma expedição chamada de “Aldeias do Jalapão” para gravar um documentário realizado em 2015. Ao percorrer as 31 obras que compõem esta sua exposição somos transportados para a contemplação das dicotomias entre o vasto e o ínfimo, a pedra e a poeira, a duna e o céu, a água e o fogo, uma região visualmente marcada não apenas por seus recursos naturais, mas pela cultura dos que ali habitam. Uma riqueza antagônica entre o calor extremo e seco, com os oásis de poços de águas cristalinas e borbulhantes de um verde esmeralda, rodeadas de palmeiras de buriti. É a areia que lacrimeja os olhos, é a água que sustenta como chão.
Acostumado a trabalhar a imagem e a palavra no teatro e no audiovisual, Wertem Nunes não apenas registra o belo, no instante fotográfico, como procura também ressignificar o visual em suas fotos com títulos que ancorem a mensagem que ele deseja transmitir ou que libertem e estimulem novas interpretações potenciais nas imagens. Dessa forma, a exposição pode ser agrupada em segmentos que ajudam o artista a transmitir sua interpretação do mundo fotografado.
Nas obras: Pau de óleo / Templo de pedra / Rio Sono / Erosão / As derradeiras pegadas do dia / Entardecer, o artista faz o que qualquer ser humano faria frente a eloquência da beleza natural, fazer um registro que traduza sua admiração e reverência a arte produzida pela natureza, usando a fotografia como meio para registrar tais obras e momentos. Com as obras: Sob o olhar das cabras / Arrupiada / O canto que habita o grito / Caminho / Seriema, o artista passa da beleza dos atrativos naturais para a vida da fauna selvagem ou domesticada que faz parte desse ecossistema. Os animais domesticados, aliás, contribuem também para que o artista atinja um de seus objetivos quando fez a expedição, que era conhecer e registrar algo a mais que os visitantes turistas do Jalapão geralmente não observam ao se vislumbrarem apenas com a riqueza natural do lugar, qual seja, a cultura regional. Para tanto, Wertem procurou evidenciar essa cultura regional que se dá à medida em que as pessoas interagem com a paisagem, modificando-a ou adaptando-se a ela. Na exposição podemos ver isso nas obras Curral de cabras / O alpendre é o céu / Cocho de mandioca / Da lida / Descanso / Ponte sob o céu e Poeira fervilhante. Nessas obras vemos impresso, o modo de vida das pessoas que vivem no Jalapão, mesmo que elas nem apareçam nas fotos. São objetos, pertences, ferramentas, obras, que referenciam o fruto do trabalho como atividade humana modificadora e formadora de uma vida adaptada a um determinado meio.
Mas não apenas de registros e fotos estritamente figurativas é feita essa exposição. Artista visual sempre atento as possibilidades estéticas que a fotografia pode proporcionar como linguagem artística, Wertem explorou também a impressão das cores na paisagem por meio das obras: Quando o verde vence / Amarelo sobre pétalas / Vermelho sob o céu / De verde em água e A explosão do vermelho. Aqui a cor é elemento preponderante para identidade e riqueza visual de um lugar. Ainda que, no Jalapão, o verde coberto de poeira e terra predomine, a pregnância visual de uma cor pode ser uma joia visual encontrada na paisagem a nos encantar o espírito.
Há ainda espaço para dois autorretratos em retrovisor da mata e autorretrato entre sombras, obras que o artista busca fundir-se despretensiosamente à paisagem que observa e registra. Numa tentativa de incluir-se na paisagem e ter uma relação mais próxima do que observador e o que se é observado. Uma tentativa de colocar-se no lugar de quem vive ali, ou deixar uma “pegada” visual de que esteve ali.
A exposição termina como terminam vários dias no Jalapão, com um belo pôr do sol que apesar do encanto visual do laranja sobre o azul, nos intima a refletir sobre a questão da degradação ambiental de um dos biomas mais ricos do país quiçá do mundo. Com as obras Horizonte em chamas e Queimando, Wertem Nunes nos convida a refletir sobre um ecossistema ameaçado pelo avanço inescrupuloso do agronegócio, da pecuária de extensão, da grilagem, do turismo de massa, das queimadas e aquecimento global.
O Jalapão é uma área isolada e de difícil acesso, como muitos dos nossos parques e reservas naturais no Brasil. Isso dificulta que a maioria da população conheça e, portanto, possa se comprometer a reagir à destruição dessas áreas. Essa exposição virtual, talvez possa ser uma porta de entrada, para que mais pessoas se interessem pela riqueza do bioma e assim tenham vontade de conhecer e defender esse patrimônio de todos os brasileiros.
Delcio Gonçalves sobre a exposição
Do deserto nasce o sertão, desertão.
Wertem nos leva a um lugar onde esse tempo que nós percebemos parece não existir. E na verdade não existe mesmo. Resiliência se torna mais importante que relógio e o senso de comunidade mais ainda, pois são escassas as pessoas que ali se encontram.
Nessas infinidades de nuances entre o ocre e o azul profundo confundem-se as texturas e cores daquilo que chamamos de adobe, curral, telha, couro e metal. Até o concreto da ponte mimetiza-se com a areia que parece ter sido jogada do céu, que faz montes e se espalha. Se engana quem pensa que é inanimada, basta olhar de perto e ver que caminhos são traçados ali também. O perto e o longe se encontram e confundem-se. O rio, sonolento, se esquiva dos lugares que não consegue escalar e vai onde é possível, segue seu rumo e não espera por ninguém.
A separação que se faz entre natureza e humanidade perde o sentido naquilo que captou o poeta da imagem, com areia no olhar, mina d'água escorre e faz poço nos pés.
Delcio Gonçaves é fotográfo.